quarta-feira

Versículo 1


Li uma vez que ouvir a quinta sinfonia de Beethoven estimulava o cérebro e fazia a pessoa ficar mais inteligente. Então lembrei da música pra começar a escrever. Symphony Nº 5 In C Minor Op. 67, Allegro Con Brio – Ludwing Van Beethoven. Tan tan tan taaaaaaaan. “Descreva quem você é em no máximo 20 linhas”. Tan tan tan taaaaaaan. E junto com Beethoven, entrei em pânico. Digo junto com ele porque só estando em pânico pra compor a quinta sinfonia. Pode ser que Beethoven, paupérrimo, precisasse pagar o aluguel do quarto imundo até as 17 horas daquele dia. Mas a música não dava dinheiro. Afinal, quem caralhos iria comprar composições de um surdo? Beethoven então sentiu vontade de fumar um cigarro, mas não tinha dinheiro pra cigarro. Nem pra um gole de vodca, nem pra porra nenhuma. Decidiu então compor mais uma música surda. Se passaram uns cinco minutos e eu ainda não comecei a me definir em vinte linhas e só tenho mais quinze minutos. Ou seja, tenho um minuto por linha, sendo que já perdi cinco, pra me definir pra uma mulher desconhecida e que usa perfume de rosas. E eu tenho ojeriza a esse cheiro. Não sei bem o motivo, acho que é por causa de uma tia da minha mãe que aparecia na minha casa todos domingos à tarde cheirando a esse fedor. Domingo era dia de odor de rosas.

Oito minutos e eu pensando em Beethoven e odor de rosas. Beethoven não usaria odor de rosas, claro que não. Ele teria o mesmo nojo que eu, ou talvez mais, muito mais. Quando a pessoa não tem um dos sentidos, ela aguça os outros, não é assim? Ou isso só funciona pra quem é cego? Foda-se, mas Beethoven não toleraria odor de rosas em sua casa todos os domingos à tarde. Ele teria dito A SENHORA FEDE A ASPARGO ESTRAGADO E NÃO A ROSAS, ENTENDEU? Será que Beethoven podia falar? Meu nome é Julio Steffenon, tenho vinte e oito anos e...

Meu nome é Julio Steffenon e nem isso ajuda nesse texto. Tenho vinte linhas e se meu nome fosse maior, ocuparia mais espaço e eu teria que escrever menos nessa merda. Não tenho nem um segundo nome. Se bem que não sei que nome fica bem com Julio, fora Julio Cesar. E Julio Cesar Steffenon é mais ou menos como Ludwing Van de Souza. Quem sabe eu poderia ter mais sobrenomes. Poderia ser Dom Pedro e escrever “Meu nome é Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon e com um nome desses eu não preciso dizer mais nada pra senhora, portanto me contrate.” Mas Dom Pedro não estaria atrás de emprego e eu me chamo apenas Julio Steffenon e preciso me definir em vinte linhas pra concorrer com mais oito tapados um emprego que eu já nem comecei e já detesto. 

Meu nome é Julio Steffenon, tenho vinte e oito anos, nasci no interior do Rio Grande do Sul e sou de Áries. Sou uma pessoa tranquila, responsável e dinâmica. Adoro desafios e encaro qualquer situação com calma e serenidade, tentando tirar o máximo proveito de tudo. Meus amigos dizem que sou um pouco teimoso, mas acredito que isso seja a forma que encontro de defender as coisas que penso. Sou bem humorado, organizado e um mentiroso de marca maior. Estou tentando, estoicamente, mentir que sou imperdível pra essa merda de empresa. Mas se eu não consigo me definir nem para mim, quem dirá pra senhora, em vinte minutos, em vinte linhas. Eu falo palavrão, eu minto, eu penso as maiores atrocidades do mundo (embora não execute nenhuma delas), tenho preguiça, deixo tudo bagunçado, e tô sem paciência pra pensar em mais merda pra escrever nessas vinte linhas então TAN TAN TAN TAAAAAAAAAAAN... TAN TAN TAN TAAAAAAAAAAAAN.... TAN TAN TAN TAN tan tan tan tan TAN TAN TAN TAN tan tan tan tan AH VÁ PRA PUTA QUE PARIU PEGA ESSAS VINTE LINHAS E TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.... TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.... TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.... TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.... TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.... TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.... PRONTO, VINTE LINHAS SUA ESCROTA. 

Entreguei a folha pra mulher fedida e ela, sem olhar, me disse “obrigada, se o senhor for selecionado, entraremos em contato”. “Nem precisa perder tempo, leia apenas as duas últimas palavras.” Ela leu na hora, e por isso o pessoal da empresa nunca me entrou em contato. E aí concluí que a Quinta Sinfonia de Beethoven realmente deixa as pessoas mais inteligentes, porque recusei um emprego que eu achava uma merda e que iria aceitar só por causa de dinheiro. Saí de lá orgulhoso de mim, coisa rara nessa vida né? Acho que nos preocupamos muito em orgulhar os outros e acabamos esquecendo de dar orgulho a nós. Então eu estava orgulhoso pra caralho de mim mesmo, era dia vinte e cinco de julho de dois mil e doze e eu tinha só quarenta e três centavos nos banco. TAN TAN TAN TAAAAAAAAAN.