sexta-feira

Balzaquiano

Completei 30 anos em Buenos Aires, o amor da minha vida. Ela, gentil como sempre, me abraçou como nunca. Com um mapa improvisado e com o meu senso de direção que sempre me fazia correr na contramão no Mario Kart, caminhei 17km no dia do meu aniversário e cheguei em todos os lugares que queria. Acho que o Planetário é por aqui, então eu andava e andava e Buenos Aires me levava lá. No dia da greve, mais de 200 pessoas esperavam por um táxi quando um senhor de terno apareceu, perguntou se eu ia pro centro e então abriu a porta de trás de uma Mercedes. “Primeira vez em Buenos Aires?” “não, é a quinta” “então vou colocar uma música especial, gosta de tango?” “demais” e então comecei a rever Buenos Aires escutando um Gardel fudidíssimo. Na Casa Rosada fiz um drama tão lindo que me deixaram ir na sacada. “Rápido e não diga a ninguém”, falou a guia. E abriu a porta, pisei naquele balcão e vi muito mais do que a Plaza de Mayo. Meu primeiro parabéns ao vivo veio do vocalista do Otros Aires, uma das bandas que mais amo. “Que los cumpla feliz” e me abraçou e me deu um cd autografado. E em Punta del Este o André me deu a mão, o pé, um empurrão e a coragem pra subir nos dedos de La Mano que ninguém subia. E lá em cima eu lembrei como é subir no alto, coisa que tinha deixado de fazer há tempos. Por toda a minha vida vou ser grato a ele por essa mão.

E como eu me sinto sendo balzaquiano? Melhor que nunca. Acho que senti toda a crise aos 29, atravessando 2013, o pior ano de todos. O ano que me arrancou pessoas, o ano que me gelou, que me secou e que me emudeceu. Mas já foi, ficou lá atrás junto com meus vinte e poucos anos e a certeza de que tudo passa muito rápido. E as mudanças, quando acontecem, na verdade já aconteceram. Elas estavam apenas ali, aguardando o soar do alarme. Do alarme chamado sobrevivência, que manda endurecer um coração ou achar lindas as borboletas, mesmo quando todos sabem que elas não passam de bichos nojentos com asas coloridas.

“Um dia me barbeei e perdi todo meu menino”, escrevi ainda com 29. Escrevo de novo com 30. Com 30 enxergamos o final do continente, dimensionamos o tamanho das tempestades e levamos na mala o necessário pra sobreviver. É o segundo ato da ópera, onde fazemos a curva, procuramos por qualidade e não quantidade e fincamos nossa bandeira no primeiro grande patamar. “Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços”, disse o Affonso Romano. 

É. É isso e bem mais do que isso. É uma imensidão. São as portas da sacada da Rosada abrindo, é a mão para subir, são reticências. Não por não saber como continuar, mas por ainda ter tanto. É se cansar das coisas cansativas da vida. É não estar nem tons acima nem tons abaixo da nossa essência. É.

É...