sexta-feira

Perdão, anjos

Estou triste. Profundamente triste e envergonhado pela morte absurdamente estúpida das 12 crianças de Realengo. Envergonhado pelas crianças feridas. Pelas crianças e adultos que viverão pra sempre com isso cravado na memória. Por um País que hoje chora.

Karine, Rafael, Milena, Mariana, Larissa, Bianca, Luíza, Laryssa, Géssica, Samira e as outras crianças ainda não identificadas, eu não conhecia vocês. Infelizmente vim a saber de suas existências através do noticiário sobre as suas mortes. Mas acreditem na minha vergonha e na minha tristeza pela morte de vocês. Por isso peço perdão.

Vocês eram anjos com olhos lindos, como todas as crianças são. E tiveram a vida ceifada repentinamente, com tanto ainda pra viver. Os esforços de tantas pessoas não foram suficientes para lhes salvar. E também sinto-me envergonhado por essas tantas pessoas – professores e funcionários do colégio – terem sido herois, quando eles teriam apenas que cumprir suas funções de funcionários.

Queridos anjos, perdão. Peço perdão em nome de uma sociedade que assiste passivamente a todas as barbáries que acontece à sua volta. De uma sociedade que reclama da corrupção de políticos, mas trapaceia no troco da padaria.

Vocês não deveriam ter morrido. Foram abatidos, como disse o pai de um de vocês, por teu impiedoso algoz, fétido e monstruoso. Talvez, se fossem filhos de pessoas ricas, não teriam suas vidas interrompidas. Mas “infelizmente” vocês eram humildes, filhos de pessoas “comuns”, talvez todos trabalhadores e honestos. Perdão pelas virtudes dos seus pais não serem suficientes para salvá-los.

Perdão Karine pela tua avó que, ao lado do teu caixão, te suplicou que levantasse. Perdão Luiza, pelas tuas amigas chorarem a tua morte empunhando cartazes pedindo paz. Perdão Rafael, pelos teus pais não conseguirem sair de perto do teu corpo. Larissa, perdão. Teu avô, que te criou, não consegue falar ou ficar parado. Perdão Laryssa, pois hoje um amigo teu ia te pedir em namoro e não teve chance.

Perdão aos familiares e amigos. Perdão aos feridos, que espero que se recuperem. E perdão a todos os outros que não citei. Perdão pelos aplausos que vocês estão recebendo em seus enterros, quando vocês teriam que ser aplaudidos por algum trabalho da escola, ou na formatura de vocês e a cada vitória. Perdão pelas roupas preferidas de vocês estarem servindo de mortalha. Perdão, queridos anjos, por vocês não terem mais o direito de festejarem teus aniversários, irem à escola, brincarem e crescerem em paz e em segurança como todos os que têm a sorte de escapar de atrocidades como essa.

Amados anjos, desejo do fundo do coração que, se existir mesmo vida após a morte, que vocês tenham tudo o que lhes foi negado aqui. E que vocês possam perdoar toda essa sociedade ridícula e estúpida que rouba milhões e aumenta os próprios salários, enquanto anjos como vocês padecem pela falta de recursos.

Ao algoz de vocês, o que desejo? Justiça, da forma mais severa e implacável que exista. Ele também está morto, mas ainda desejo que ele sofra e pague pelo que fez. Nada justifica essa barbárie. Nenhum texto, nenhuma justiça e nenhum pedido de desculpa das autoridades vai acalentar o coração dos que ficaram.

Mas saibam, anjos, que seus sorrisos vão permanecer sempre aqui. E sempre na minha memória, pelas fotos que vi de vocês, servindo para que eu nunca faça parte de uma massa mesquinha e hipócrita. E que, de alguma forma, vocês sejam eternamente felizes.

Perdão, anjos. Mil vezes perdão.